Capítulo 32
O corredor escurecia. Apenas o som do vento parecia cada vez mais claro. Turista foi ficando assustado, caminhando cada vez mais devagar, cauteloso.
Deu numa porta fechada.
Naquela escuridão, na fresta junto ao chão, a porta deixava escapar uma fraca luz. “Tem alguém lá dentro”, pensou Turista, e pensou baixo porque o silêncio era muito grande.
Tomou coragem e bateu na porta.
Não demorou, escutou uma voz lá dentro:
— “Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos curiosos tomos de ciência ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
‘Uma visita’, eu me disse, ‘está batendo a meus umbrais’.
É só isto, e nada mais.”
Turista desencostou o ouvido da porta, assustado. Esperou um pouco e bateu novamente. A voz, lá dentro, continuou, grave e melancólica:
— “Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu queria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P’ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais —
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!”
Turista insistiu. Bateu mais uma vez, e novamente a voz continuou, lá dentro:
— “Como, a tremer de frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundindo força, eu ia repetindo:
‘É uma visita pedindo entrada em meus umbrais’;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isto, e nada mais.”
Turista, irritado, bateu outra vez, mais forte. A voz foi se aproximando da porta:
— “E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
‘Senhor’ eu disse, ‘ou senhora’, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi... E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.”
A porta se abriu. Turista recuou, assustado, escondendo-se na escuridão do corredor.
Um homem, de bigode, olhou, olhou, e não percebeu Turista, oculto na treva, e suspirou:
— “Noite, noite e nada mais.”¹
Ia fechar a porta, quando Turista avançou, saindo da escuridão.
— Ah, é você! — perguntou o homem, surpreso. — Mas quem é você?
(1) Trecho do poema O CORVO, de Edgar Alan Poe / Tradução de Fernando Pessoa
Ilustração de Gustave Doré para edição de 1884

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